Em entrevista à Euronews, especialistas em igualdade de género acreditam que as instituições europeias continuam a ser elementos abstratos nas vidas das mulheres e um espaço alimentado por estereótipos de género.
O aumento da representação dos partidos de extrema-direita no Parlamento Europeu pode tornar-se uma realidade nas próximas eleições europeias.
Segundo uma sondagem exclusiva realizada pela Ipsos para a Euronews, os partidos da direita radical e eurocética poderão ter mais 30 lugares previstos no Parlamento Europeu, liderando as sondagens em França, na Bélgica, nos Países Baixos e na Áustria.
A representação da extrema-direita a nível nacional também tem aumentado. Em Portugal, o partido Chega passou de 12 para 50 deputados nas eleições legislativas de 10 de março de 2024.
Esta tendência política pode significar uma mudança nos direitos das mulheres afastando a União Europeia de uma agenda feminista.
A um nível nacional, alguns governos na Europa já aprovaram leis que podem colocar as mulheres em situações hóstis. Como é o caso de Itália que aprovou uma lei que permite o acesso de grupos anti-aborto às mulheres que estejam a considerar uma interrupção voluntária da gravidez.
O estudo "Uma Europa feminista?" da Oxfam afirma que "a crescente reação contra a igualdade de género em toda a Europa pode ser vista internamente através do crescente sucesso eleitoral e da representação de grupos populistas de extrema-direita em países como a Suécia, a Itália e a Holanda."
Cecília Francisco Carcelén, uma das três autoras do estudo e especialista em igualdade de género, garante: "O desmantelamento dos direitos das mulheres está no cerne do que defendem os movimentos de extrema-direita."
Em 2022, as mulheres representavam 52% da população dos estados-membros da União Europeia, segundo o Eurostat. Estará o aumento dos votos na extrema-direita a obrigar as mulheres a serem politicamente mais ativas nas eleições europeias de 2024?
Eleonora del Vecchio, outra das co-autoras do estudo e investigadora em igualdade de género, acredita que "as mulheres que se sentem ameaçadas pela extrema-direita podem envolver-se mais na política", mas só se ainda acreditarem nas instituições e na democracia.
Voto no feminino
Durante muito tempo, a percentagem de abstenção das mulheres em relação à dos homens era muito díspar. Apesar de a diferença da participação de voto ter vindo a diminuir, especialmente a partir das eleições europeias de 2014, com 45% dos homens a dizerem que votariam para 41% de mulheres, a Fundação Robert Schuman conclui que "as mulheres continuam a sentir-se menos envolvidas nas políticas europeias do que os homens".
Um estudo feito pelo Eurobarómetro num cenário pós-eleições europeias em 2019 revelou também que as mulheres estão mais pré-dispostas do que os homens a explicar que não votaram, porque não sabem muito sobre o Parlamento Europeu ou as eleições europeias.
Carcelén reage: "Não é surpreendente que muitas mulheres se sintam desligadas dos políticos (homens), especialmente quando não se referem às suas necessidades quotidianas enquanto mulheres, o que resulta em políticas públicas que não têm em conta o género. Trata-se de um ciclo de feedback alimentado por estereótipos de género."
Já Emma Rainey, outra das co-autoras do estudo da Oxfam e consultora em igualdade de género, sublinha que "para muitas mulheres, as instituições da União Europeia continuam a ser irrelevantes e abstratas para as suas vidas", especialmente após a pandemia em que a sua qualidade de vida diminuiu significativamente e não houve uma resposta concreta "para eliminar o aumento dos encargos".
Para a presidente da ONG Lobby das Mulheres Europeias, Iliana Balabanova, uma das razões para esta indiferença é a pouca representatividade no cenário político.
Atualmente, não existem dados a nível europeu sobre os diferentes grupos de mulheres dentro desta secção.
Balabanova acrescenta: "E devo dizer que, dos 33% de mulheres no Parlamento Europeu, temos apenas 17 eurodeputadas de minorias étnicas, o que significa que um grande grupo de nós está pouco representado."
Representação política feminina
Desde que Ursula von der Leyen foi eleita Presidente da Comissão Europeia em 2019, o número de mulheres comissárias subiu de nove para 13 num total de 27 representantes, atingindo o objetivo de igualdade de género no colégio dos membros da Comissão.
Roberta Metsola e Christine Lagarde são outros dos nomes femininos em altos cargos das instituições europeias.
Contudo, a existência de figuras femininas em cargos de topo abre debate para se é o suficiente para garantir a igualdade de género.
Rainey afirmar que "não há como negar" os progressos significativos para a promoção da igualdade de género desde que von der Leyen é Presidente da Comissão Europeia, mas relembra também que se trata de alguém "muito privilegiada" e cuja realidade está "muito distante das realidades quotidianas da maioria das mulheres".
Eleonora del Vecchio vai mais longe: "uma mulher não faz um defensor da igualdade de género nem uma feminista."
"Roberta Metsola é natural de Malta, um país onde o aborto é ilegal, exceto nos casos em que a vida da grávida está em risco. Num comunicado de imprensa em 2015, a eurodeputada e os seus colegas malteses declararam ser "categoricamente contra o aborto". É sabido que a autonomia do corpo é crucial para o empoderamento das mulheres e que a proibição do aborto tem consequências drásticas, especialmente para as mulheres pobres e migrantes", acrescenta.
Contudo, independentemente da sua ideologia política, as mulheres que decidem ingressar numa carreira política têm de enfrentar a maior exposição à violência dos últimos anos.
A violência psicológica, física e online à qual ficam expostas pode levá-las a desistirem da política.
Um estudo feito a 2424 participantes em 31 países revela que, após um contacto permanente com este tipo de violência, 21% das mulheres na política tornaram-se menos ativas no debate público, 12% retiraram-se da vida pública e 9% decidiram não voltar a candidatar-se.
Marie-Colline Leroy, atual Secretária de Estado belga para a igualdade de género, oportunidades e diversidade, admite que muitas tentativas para deslegitimar as suas propostas baseam-se no facto de ser mulher.
Contudo, este clima de medo leva a que Iliana Balabanova reinvidique: "Merecemos que a nossa voz seja ouvida. Merecemos que as nossas exigências sejam satisfeitas. Por isso, merecemos o nosso lugar tanto a nível político, cultural e económico como enquanto seres humanos. É isto que nos vai mobilizar verdadeiramente."