A ministra dos Negócios Estrangeiros da Suécia afirmou, na semana passada, que a Europa importou mais da Rússia durante a guerra do que gastou em apoio à Ucrânia. Uma análise dos números sugere que ela tem razão.
Na passada quinta-feira, viralizouna Internet uma publicação da ministra dos Negócios Estrangeiros da Suécia, Maria Malmer Stenergard, alegando que as importações da UE vindas da Rússia, desde o início da invasão em grande escala da Ucrânia, excederam o valor da ajuda dada a Kiev pela Europa.
De acordo com Stenergard, "os países europeus e a Europa" apoiaram a Ucrânia com 187 mil milhões de euros.
"Durante o mesmo período, importámos petróleo e gás russos no valor de 201 mil milhões de euros", afirmou Stenergard. "E, se somarmos as outras importações, o total é de 311 mil milhões de euros."
Stenergard disse aos jornalistas em Bruxelas que isto representa "um apoio negativo à Ucrânia de 124 mil milhões de euros".
Mas estarão os números de Stenergard corretos? Examinámos as suas afirmações recorrendo a dados disponíveis publicamente e concluímos que os seus cálculos são globalmente exatos, dependendo dos dados utilizados e da forma como a "ajuda" é definida.
Quanto é que a Europa importa da Rússia?
Desde a invasão em grande escala da Ucrânia por Moscovo, a UE impôs sanções aos produtos energéticos russos, num esforço para reduzir a forte dependência da Europa em relação ao petróleo e ao gás russos que existia antes da guerra.
De acordo com o Eurostat, as importações europeias provenientes da Rússia caíram cerca de 89% desde o início da invasão, mas continuam a ser substanciais.
Um estudo do Centro de Investigação sobre Energia e Ar Limpo (CREA) indica que os Estados-membros da UE compraram mais de 216 mil milhões de euros em combustíveis fósseis russos, incluindo petróleo, produtos refinados, gás canalizado e gás natural liquefeito (GNL), desde fevereiro de 2022.
De acordo com o CREA, em outubro de 2025, as receitas mensais da Rússia com a exportação de combustíveis fósseis caíram para o seu nível mais baixo desde o início da invasão em grande escala.
A UE continua, no entanto, a ser o maior comprador de GNL. Os seus cinco principais importadores - Hungria, Eslováquia, França, Bélgica e Roménia - pagaram, em conjunto, 938 milhões de euros por combustíveis fósseis russos só no mês de outubro de 2025, informa o CREA.
Em outubro, o Conselho Europeu afirmou que o gás russo ainda representa cerca de 13% das importações da UE em 2025, uma quebra em relação aos 18% do ano anterior, mas ainda assim um valor significativo.
O gás natural continua a não ser sancionado e a UE estabeleceu um prazo até 2027 para que os 27 Estados-membros eliminem gradualmente todas as compras remanescentes. Este prazo foi posto em causa, nomeadamente pela Hungria, que procurou obter isenções às disposições propostas.
Issac Levi, líder da equipa de análise energética do CREA, disse à equipa de verificação de factos da Euronews, The Cube, que as importações "que permanecem fora do âmbito das sanções - GNL, gás do gasoduto TurkStream e crude através do gasoduto Druzhba para a Hungria e Eslováquia - persistiram ou até aumentaram, permitindo a persistência de fluxos significativos de receitas russas".
Incluindo o petróleo e o gás, juntamente com outras importações, os dados do Eurostat analisados pela Reuters em agosto mostram que a UE importou 297 mil milhões de euros desde fevereiro de 2022, incluindo fertilizantes, níquel, ferro e aço.
Quanto é que a Europa concedeu à Ucrânia?
A comparação de Stenergard está amplamente alinhada com os números principais da Comissão Europeia e os dados estimados do total das importações.
De acordo com um balanço divulgado pela Comissão Europeia, a UE e os seus Estados-membros forneceram à Ucrânia mais de 187 mil milhões de euros em apoio desde fevereiro de 2022, com empréstimos altamente concessionais a representarem cerca de 35% desse total.
O The Cube contactou a Comissão Europeia, que nos remeteu para este número.
Utilizando esta definição, os números de Stenergard são mais ou menos consistentes, na medida em que a Europa importou mais da Rússia, particularmente petróleo e gás russos, do que gastou em ajuda à Ucrânia desde o início da guerra.
A investigação do Kiel Institute, que acompanha o apoio dado à Ucrânia, indica que o número é inicialmente inferior ao abrigo da sua definição de ajuda atribuída.
As alocações mostram o que os governos concordaram em fornecer, não o que foi totalmente pago. Os desembolsos efetivos podem ser inferiores ou demorar mais tempo a concretizar-se.
De acordo com o Kiel Institute, as instituições e os Estados-membros da UE já afetaram 150 mil milhões de euros à Ucrânia desde o início da invasão.
Olhando para a Europa geográfica como um todo, e incluindo os Estados não membros da UE, como a Noruega, a Suíça, a Islândia e o Reino Unido, o montante total da ajuda atribuída é de 177 mil milhões de euros.
Estes números incluem o apoio financeiro, militar e humanitário bilateral, compilado a partir de documentos orçamentais dos governos, anúncios oficiais e outras fontes publicamente disponíveis, disse o instituto.
Para além das dotações, os governos europeus assumiram compromissos adicionais, mas ainda não atribuíram as verbas prometidas.
Para a UE e os seus Estados-membros, o total dos compromissos ascende a 214 mil milhões de euros. Para toda a Europa geográfica, os compromissos totais atingem 273 mil milhões de euros.
Isto reduz a diferença entre os números relativos às importações russas e à ajuda, mas não a elimina necessariamente.
Os números do Kiel Institute também não incluem os custos referentes ao acolhimento dos refugiados ucranianos que fugiram da guerra e que foram absorvidos pelos países europeus.
O Kiel Institute afirma que, numa estimativa hipotética máxima, em que se considera que todos os refugiados ucranianos dependem de apoio público, a Europa teria gasto 160 mil milhões de euros no acolhimento de refugiados ucranianos desde 2022. O número real é provavelmente inferior.
Estes valores abrangem o alojamento, a educação, os cuidados de saúde e o apoio social dado aos ucranianos que fugiram da guerra e são pagos através dos orçamentos nacionais dos países europeus.
A comparação de Stenergard é, por conseguinte, globalmente correta quando se utiliza o anúncio da Comissão Europeia sobre a ajuda e se compara com o total das importações da UE provenientes da Rússia.
No entanto, se incluirmos os compromissos futuros no âmbito da resposta financeira global da Europa à guerra, tal como referido pelo Kiel Institute, bem como, pelo menos, uma certa quantia de apoio que a Europa pagou aos refugiados ucranianos, a diferença destacada pela ministra diminui, mas não desaparece necessariamente.
Colmatar lacunas futuras
Apesar da ajuda humanitária permanecer relativamente estável, as estimativas do Kiel Institute mostram que a ajuda militar a Kiev caiu a pique desde o verão.
As dotações militares dos países europeus para a Ucrânia caíram 57% em comparação com o primeiro semestre do ano, quando a Europa interveio e alargou o seu apoio militar para colmatar uma lacuna deixada pelos EUA.
Na semana passada, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, implorou aos países da União Europeia que chegassem a um acordo até dezembro para cobrir as necessidades militares e financeiras da Ucrânia nos próximos dois anos.
Esse número está estimado em 135,7 mil milhões de euros, de acordo com uma carta enviada na segunda-feira e a que a Euronews teve acesso, que apresentava três opções principais que os Estados-membros europeus poderiam utilizar para apoiar Kiev.