Que papel para os países da Europa Central e Oriental na segurança europeia?

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Questões importantes, tendo a guera na Ucrânia como pano de fundo. O debate, organizado na GLOBSEC, foi moderado por Sergio Cantone, da Euronews, e contou com os chefes da diplomacia da Eslováquia e Polónia, assim como da ex-Presidente da Estónia.

O novo papel político e estratégico dos países da Europa Central e Oriental na União Europeia e e para toda a segurança europeia está em discussão aqui em Bratislava, na Eslováquia, na Conferência de Segurança Global (GLOBSEC) em The Global Conversation.

Miroslav Wlachovsky, ministro dos Negócios Estrangeiros da Eslováquia, Zbigniew Rau, ministro dos Negócios Estrangeiros da Polóniae Kirstie Kaljulaid, que foi presidente da Estónia de 2016 a 2021, são os convidados deste painel.

Sergio Cantone, Euronews: Há conversas, pelo menos ao nível dos meios de comunicação social, sobre a possibilidade de abrir uma discussão para chegar a uma espécie de cessar-fogo. Pensam que estas tentativas são credíveis, ou pensam que a paz, ou um cessar-fogo estável, só poderão chegar depois de um fracasso militar da Rússia na Ucrânia, com a integridade territorial da Ucrânia?

**Miroslav Wlachovsky:**Iria repetir-me, porque já o disse várias vezes. A forma mais fácil de alcançar a paz na Ucrânia é a Rússia retirar as suas forças. Penso que o que precisamos aqui, não é apenas de paz, mas uma paz que reconhecerá o agressor, punirá o agressor e ajudará de alguma forma a vítima. É esse o nosso objetivo. É assim que o direito internacional deve funcionar e as relações internacionais devem funcionar.

Kirstie Kaljulaid: Sinceramente, todas as conversações que digam "vamos fazer agora um cessar-fogo e depois negociar algo em troca" não funcionariam. Imaginemos que tínhamos feito o mesmo quando a agressão começou. O que é que foi feito em Tbilíssi uma ou duas semanas depois do início do conflito (de 2008, entre a Geórgia e a Rússia)? Onde estariam exatamente os russos? A 20 quilómetros de Kiev. Lamento, mas tem de ser assim: primeiro, os ucranianos limpam o seu território e depois podemos falar.

Zbigniew Rau: Somos todos a favor da paz. Somos a favor do cessar-fogo. Isto é óbvio. É algo que vai do Brasil à Índia, de França à Estónia ou à Eslováquia ou à Polónia. A questão é: que tipo de paz esperam? Posso dizer-vos muito brevemente o que penso sobre o assunto. A paz desejada é uma paz justa que nos permita restaurar a independência nacional da Ucrânia, a soberania do Estado, a integridade territorial e a reconstrução da Ucrânia à custa da Rússia, acima de tudo, porque a Rússia é culpada da destruição da Ucrânia. Depois, queremos levar à justiça todos os culpados desta agressão. Se se espera uma paz justa e duradoura, é preciso que a Rússia não esteja em posição de voltar às suas práticas imperiais em matéria de política externa.

Queremos uma paz que reconheça o agressor, puna o agressor e ajude de alguma forma a vítima.
Miroslav Wlachovsky
Ministro dos Negócios Estrangeiros da Eslováquia

SC: Já estabelecemos que a Rússia deve retirar-se e respeitar o direito internacional. E enquanto isso não acontecer, não haverá qualquer possibilidade...

**KK:**Só queria dizer que é uma possibilidade. Mas cabe aos ucranianos decidir. Cabe-lhes a eles decidir se sentem que estão prontos para se sentar e negociar. Se se sentirem confiantes de que estão a negociar a partir de uma posição de força, existe uma hipótese. Por isso, diria que o cenário não é assim tão negro. Mas nós não podemos decidir. Só os ucranianos é que podem decidir. Quero que acrescente isso.

SC: Assistimos recentemente a uma polémica na União Europeia relativamente à crise dos cereais, à crise das importações de cereais. Quanto tempo pensam que as vossas sociedades serão capazes de aguentar este tipo de situação de emergência?

MW: Antes de mais, não foi uma escolha nossa. Sim, é difícil para os nossos países. Mas nós compreendemos qual seria a alternativa. A alternativa seria muito mais sombria. Ninguém quer ser vizinho de uma espécie de regime de Putin na Ucrânia ou de Putin na nossa fronteira, em vez de ter como vizinho a Ucrânia soberana. É muito simples. Penso que o preço que estamos a pagar é elevado, mas ainda assim muito mais baixo do que a alternativa.

KK: Fiz a mesma pergunta aos meus amigos de Berlim Ocidental. Sentiam vontade de viver num país militarizado durante a Guerra Fria? Não, não sentiam. Quer dizer, poder defendermo-nos aumenta a segurança e o sentimento de segurança das pessoas. Por isso, quanto maior for a presença da NATO no flanco oriental, melhor.

SC: A Polónia, de acordo com o que tem sido dito, é chamada a tornar-se uma espécie de fortaleza na Europa. As despesas militares da Polónia estão a crescer e desempenham agora um papel político relevante...

ZR: Em primeiro lugar, posso dizer que a sociedade polaca considera a defesa da Ucrânia algo não apenas politicamente correto, mas absolutamente crucial, algo que podemos descrever como a nossa escolha existencial. No século XIX, quando fomos privados da nossa independência, quando não se conseguia encontrar a Polónia no mapa da Europa, os patriotas polacos inventaram este tipo de lema para a vossa e a nossa liberdade, pelo que éramos combatentes da liberdade bem conhecidos na Europa.

A questão é que no século XIX, e sobretudo no século XX, estávamos prontos a lutar pela liberdade dos outros e os outros não estavam muitas vezes prontos a lutar pela nossa liberdade. Agora, o que experimentamos nesta guerra é que há um país, a Ucrânia, que de facto está a lutar pela nossa liberdade, quer seja da Eslováquia, da Estónia ou da Polónia. Quando perguntamos qual o papel que a Polónia está a desempenhar no flanco oriental, estamos convencidos, enquanto aliados da NATO, que o nível de despesa militar da aliança deve ser de 2% do PIB. Mas, permitam-me que o diga, esse deve ser o limite mínimo e não o limite máximo.

É por essa razão que acreditamos que é correto gastar neste momento um pouco mais de 4% do nosso PIB neste ano. Pelo menos mais de 3%, porque a noção de uma aliança efetiva passa por considerarmo-nos a nós próprios. Penso que este também é o caso e deveria ser o caso com qualquer outro país, um membro da NATO considera-se não apenas como um recetor de segurança, mas também como fornecedor de segurança, e essa é a razão pela qual decidimos gastar tanto, porque a filosofia subjacente é que eu vou ajudar-vos. Antes de mais, temos de estar em posição de nos ajudarmos a nós próprios, de nos defendermos primeiro e depois defendermos os outros, os nossos vizinhos também.

A Polónia considera a defesa da Ucrânia não apenas algo politicamente correto, mas absolutamente crucial, algo que podemos descrever como a nossa escolha existencial.
Zbigniew Rau
Ministro dos Negócios Estrangeiros da Polónia

SC: Pensam ter compreensão e apoio suficientes dos outros parceiros europeus no que se refere à União Europeia, sendo que muitos deles são também parceiros na NATO? Acham que eles vos compreendem completamente e sentem que vos apoiam ou há sempre alguma ambiguidade ou algo que não é claro, quando se trata de Conselhos Europeus ou de Conselhos de Ministros ou reuniões da NATO?

KK: Eu sou uma economista de mercado. O mercado tem sempre razão. Ao ver a relutância com que a indústria está a investir contra a aposta de que haverá uma necessidade a longo prazo de munições, canhões, tanques, etc, pensei inicialmente que a indústria se tinha tornado preguiçosa, procurando garantias em todo o lado. Mas, no ano que passou, quanto mais falo com eles, a previsão é que a vontade de gastar mais em equipamento militar é de curta duração e pode acabar assim que a guerra terminar ou pouco depois.

A vontade de gastar mais em equipamento militar é de curta duração e pode acabar assim que a guerra terminar ou pouco depois.
Kirstie Kaljulaid
Ex-Presidente da Estónia (2016-2021)

ZR: Suponho que está a levantar aqui a questão fundamental, porque no seio da aliança da NATO falamos sempre de unidade.

KK: Unidos na fraqueza, quer dizer?

ZR: Não é uma questão de fraqueza. É mais uma questão de não fazer nada. Nós, no flanco oriental, pensamos nisto de uma forma diferente. Temos de enfrentar o desafio. E aqueles de entre nós que são mais sensíveis a este desafio, dada a nossa situação geopolítica, dada a nossa experiência histórica, etc., sentimo-nos obrigados a definir a agenda, a tornar esta unidade simplesmente dinâmica, a fazê-la enfrentar os desafios. Decidimos formar uma coligação para os tanques e enviar os caças, por exemplo.

É uma questão de mostrar o objetivo que todos queremos alcançar. Trata-se, portanto, de um tipo de unidade dinâmica no seio da NATO, de que a União Europeia também precisa.

SC: Muito obrigado. Senhor Wlachovsky, gostaria também de dizer uma coisa: Isto é verdade para os países bálticos e para a Polónia. Relativamente à Eslováquia, a situação é um pouco diferente, tendo em conta os números.

MW: Quando estamos a falar de números e de pessoas, penso que há uma palavra importante é liderança. E a liderança significa que lideramos apesar dos números e temos de encontrar uma forma de convencer as pessoas de que isso é realmente importante. Aqui, neste país, o governo tomou decisões importantes porque pensava, e eu concordo com eles, que era a coisa certa a fazer. Basicamente, foi isso. Era do interesse não só da Eslováquia, mas de toda a região.

SC: Decisão pouco popular, de acordo com os números.

MW: Há muitas decisões impopulares que têm de ser tomadas, e esta pode ser uma delas. Mas estou orgulhoso por termos sido capazes de as tomar. Penso que não é difícil tomar uma decisão difícil quando toda a gente está de acordo. É difícil tomar uma decisão correta quando muitas pessoas discordam.

Não é difícil tomar uma decisão difícil quando toda a gente está de acordo. É difícil tomar uma decisão correta quando muitas pessoas discordam.
Miroslav Wlachovsky
Ministro dos Negócios Estrangeiros da Eslováquia

SC: O título deste debate é "Liderar a partir do centro", mas não acha que esta liderança a partir do centro é ineficaz, por existirem alguns buracos negros? Falemos de uma ausência muito importante. A Hungria, por exemplo, que deveria ser uma peça-chave.

KK: Talvez, de facto, devêssemos sempre tomar este tipo de mínimo denominador comum e dizer que nos desintegrámos da União Europeia porque houve o Brexit. É exatamente este o argumento que está a apresentar, apenas o facto de um dos países da Europa Central e Oriental estar a jogar um jogo diferente, mostrando-nos como seria o mundo se não fosse baseado em regras, mas sim em interesses. Não uma ordem mundial, mas apenas uma visão do mundo. Não é justo para nós, porque estamos a dar o exemplo. Estamos a gastar. Estamos a tentar defender-nos o mais possível. Estamos a falar de forma educada, mas honesta, sobre a nossa situação. Também partilhamos honesta e abertamente as nossas preocupações por não estarmos todos na mesma página e estarmos a ter sucesso.

SC: Na União Europeia, de qualquer forma, a Hungria, quando se trata de outras questões que não estão relacionadas com a segurança, é um bom apoio à posição da Polónia no que se refere aos direitos civis e ao Estado de direito neste tipo de questões.

ZR: Vamos liderar a Europa da mesma forma que a Alemanha quer fazê-lo? Certamente que não. Especialmente nós na Polónia, porque acreditamos em algo muito fundamental: que todos os Estados-Membros da UE são livres e iguais da mesma forma, e os interesses de cada um de nós devem ser representados da mesma forma.

SC: Estava prestes a responder a uma pergunta que chegou pela Internet, sobre os 2% das despesas. A pergunta é sobre o facto de ser ilógico falar sobre a autonomia estratégica da União Europeia quando muitos países não estão a atingir os 2% das suas despesas. Portanto, a questão militar não é uma prioridade para eles?

MW: Para mim, não se trata das estruturas. O que está em causa são as capacidades e a capacidade de atuar quando é necessário. Devo dizer que sou um grande apoiante da ligação transatlântica e da NATO como aliança de defesa. Mas compreendo perfeitamente o desejo dos nossos aliados americanos e dos nossos amigos americanos. "Por favor, europeus, sejam capazes de lidar com estas questões sozinhos quando for necessário”. Para isso, precisamos dessas capacidades.

KK: Para projetar poder e ter influência na vizinhança, são necessárias capacidades, citando o Alto Representante Borrell. Portanto, o Ocidente e o Leste sabem-no. Mas, claro, há uma ligeira discrepância nisso, porque alguns estão a falar de autonomia estratégica e outros estão a gastar - e não são necessariamente as mesmas pessoas.

Alguns estão a falar de autonomia estratégica e outros estão a gastar - e não são necessariamente as mesmas pessoas.
Kirstie Kaljulaid
Ex-Presidente da Estónia (2016-2021)

SC: Penso que a ideia era a autonomia estratégica em relação à NATO e aos Estados Unidos. Para os vossos países, este não é um verdadeiro seguro de vida.

**KK:**Nunca o ouvi dessa forma, mesmo quando dito por aqueles que inventaram o termo, numa terminologia que nunca tinha ouvido, como Nathalie Tocci, Emmanuel Macron ou Federica Mogherini, para dizer que isto é o que estamos a fazer para não sermos mais independentes dos EUA. Sempre disseram que estamos a fazer isto para apoiar a ambição global dos EUA, para defender o mundo livre. Mas temos de ser capazes de fazer algo por nós próprios. E tem havido muitos mal-entendidos. Algumas palavras tornam-se duras. A culpa não é nossa, mas o conceito é materialmente correto.

ZR: Se a União Europeia acredita que é um ator global responsável por uma grande situação geopolítica no mundo e se considera defensora dos valores do mundo livre, não pode ficar indiferente à situação no seu quintal.

A União Europeia não pode ficar indiferente à situação no seu quintal.
Zbigniew Rau
Ministro dos Negócios Estrangeiros da Polónia

SC: Consideram que a forma mais prática de reconstruir a Ucrânia seria com uma Ucrânia em lista de espera para aderir à União Europeia ou iniciar a reconstrução com uma Ucrânia dentro da União Europeia como membro? De um ponto de vista puramente prático. E se for politicamente viável ou economicamente viável, o que pensam? É uma pergunta para os três.

KK: O facto é que, para que a Ucrânia adira à União Europeia, os líderes da União Europeia têm de ser capazes de dizer às suas empresas e negócios: invistam lá como investiriam no vosso próprio país. O ambiente económico é o mesmo. O vosso investimento é protegido da mesma forma. O Estado de direito é estabelecido da mesma forma. Não era este o caso na Ucrânia antes da guerra, e espero que consigam ultrapassar rapidamente as dificuldades que tinham antes. Depois, claro, podem aderir, porque a UE é uma união económica. E temos também o aspeto de que não podemos simplesmente decidir politicamente: "entrem, depois façam as reformas, porque temos de transmitir esta mensagem às nossas empresas".

MW: Espero sinceramente que comecemos a reconstrução da Ucrânia antes da adesão à União Europeia, porque quero começar a reconstrução da Ucrânia muito rapidamente. A condição prévia para isso é que a guerra termine. Entretanto, temos de nos preparar e encontrar a melhor forma de os ajudar a reconstruir o seu país.

ZR: Muito francamente, suponho que a melhor maneira de proceder é lançar estes dois processos em paralelo. Uma via dupla.

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