A ascensão da extrema-direita na política portuguesa

André Ventura, líder do Chega, em campanha no centro de Lisboa, em janeiro de 2022
André Ventura, líder do Chega, em campanha no centro de Lisboa, em janeiro de 2022 Direitos de autor AP Photo/Armando Franca
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De  Giulia Carbonaro
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Artigo publicado originalmente em inglês

O Chega foi o terceiro partido mais votado nas eleições legislativas em Portugal no ano passado. Tem um discurso racista e anti-migração, mas nega veementemente ser de extrema-direita, preferindo ser considerado um partido populista.

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Em 2019, o na altura recém-formado partido político de direita "Chega!" conquistou um lugar no Parlamento português. Cerca de três anos mais tarde, nas Legislativas de 2022, multiplicou esse resultado, conquistando 12 lugares e 7,2% dos votos.

Foi uma ascensão vertiginosa para um partido tão jovem e controverso, que rapidamente se inseriu no vasto panorama dos partidos populistas e de direita europeus, cortejando a extrema-direita com as suas narrativas contra os migrantes, a comunidade LGBTQ+ e os muçulmanos, mas rejeitando sempre ser descrito como tal.

"Foi realmente um choque enorme", disse a ativista Catarina Viegas à Euronews. "As pessoas não estavam satisfeitas com a situação económica do país, depois houve a COVID... O "Chega!" preencheu a lacuna entre as promessas do governo e o que não conseguiu cumprir, e os meios de comunicação social normalizaram a narrativa de extrema-direita", acrescentou.

Para muitos observadores fora de Portugal, o crescimento do partido também foi uma surpresa. "Houve muitas pessoas que não se aperceberam que a extrema-direita tinha um apoio tão grande em Portugal, porque historicamente, desde o fim da ditadura em 1974, não tem sido esse o caso", disse Heidi Beirich, cofundadora do Global Project Against Hate and Extremism (GPAHE), à Euronews. "Portugal parecia estar a contrariar a tendência que se verifica em países como Itália, Suécia, França, etc.", acrescentou.

Mas depois surgiu o "Chega!", atualmente a terceira formação com maior representação na Assembleia da República, que pode ser chave para um eventual futuro governo de direita.

"O "Chega!" é um partido profundamente anti-imigração, anti-ciganos e anti-LGBTQ", diz Beirich. "Demonizam os imigrantes. Os seus dirigentes, incluindo o seu líder carismático, André Ventura, têm dito coisas horríveis sobre os ciganos, chamando-lhes um problema de segurança - entre outras coisas", acrescentou. "Ventura também falou de coisas como a teoria da conspiração da grande substituição, que é uma ideia supremacista branca de que os imigrantes vão substituir os portugueses, em Portugal".

Por estas e outras razões, o GPAHE acrescentou recentemente o "Chega!" à sua lista de grupos de ódio e extremistas, em Portugal. Há 12 outros grupos na lista, incluindo outros partidos mais antigos que são anteriores ao "Chega!", disse Beirich, mas que nunca alcançaram o sucesso eleitoral do "Chega!", como a Alternativa Democrática Nacional e o Ergue-Te, anteriormente conhecido como Partido Nacional Renovador (PND).

Mas a decisão de classificar o "Chega!" como um partido extremista foi controversa em Portugal, onde o partido insiste em considerar-se populista e não de extrema-direita. A Euronews contactou o "Chega!" para comentar o assunto, mas não obteve resposta.

"Um partido populista de direita radical"

"Tem havido algum desacordo entre os académicos sobre a forma de caracterizar o "Chega!". De momento, a minha opinião é que o "Chega!" é um partido populista de direita radical, e não um partido de extrema-direita", disse à Euronews Cátia Moreira de Carvalho, investigadora na área do extremismo, terrorismo, psicologia e política na Universidade do Porto.

"Isto porque o "Chega!" tem claramente uma agenda populista, uma vez que vê o 'povo puro' em oposição às 'elites corruptas'", acrescentou. "Além disso, (...) defende opiniões iliberais e o seu objetivo é estabelecer este tipo de democracia iliberal em Portugal."

A extrema-direita quer abolir toda e qualquer forma de democracia e recorre à violência para atingir os seus objetivos. "Para já, não é isso que "Chega!" tem feito, nem me parece que venha a acontecer num futuro próximo."

AP Photo/Ana Brigida
Apoiantes do Chega aplaudem André Ventura pelos resultados conseguidos nas legislativas de 2022AP Photo/Ana Brigida

Para alguns, a diferença está apenas nas aparências.

"Eles são definitivamente de extrema-direita, a sua narrativa é de extrema-direita, mas apresentam-se como um partido populista", disse Viegas. "Dizem que não são racistas, que Portugal não é racista, fazem-se de defensores daqueles que se sentem insatisfeitos com a situação atual do país, apresentam-nos como vítimas do sistema. E isso ressoa em pessoas que não se consideram extremistas".

Cátia Moreira de Carvalho disse que desde que o "Chega!" conseguiu o seu primeiro assento no Parlamento, "os crimes de ódio e o discurso de ódio têm vindo a aumentar em Portugal".

"Antes disso, em 2018, um inquérito conduzido pelo Eurobarómetro demonstrou que Portugal era o segundo país da Europa que tinha a visão mais positiva sobre a integração dos imigrantes, com cerca de 80% das pessoas a considerá-la positiva", acrescentou.

Um partido bem relacionado

Apesar de rejeitar publicamente a identidade de partido de extrema-direita, o carismático líder do "Chega!", André Ventura, tem vindo a alinhar-se com os líderes de partidos igualmente populistas e de extrema-direita na Europa, como o italiano Matteo Salvini, líder do partido Liga, a francesa Marine Le Pen e o espanhol Santiago Abascal, líder do Vox.

A extrema-direita "não estava presente na política dominante em Portugal antes do "Chega!"", confirma a investigadora da Universidade do Porto.

"Portugal era até considerado um caso de sucesso neste domínio, de certa forma imune à extrema-direita. Mas hoje em dia, para além do apoio crescente ao "Chega!", estamos a assistir a uma normalização das opiniões do "Chega!" nos partidos de direita", continua.

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"Por exemplo, o líder do maior partido da oposição disse recentemente que Portugal devia procurar imigrantes que pudessem interagir melhor com o povo português. Por outras palavras, ele quer dizer que se devem adotar medidas de exclusão para acolher os imigrantes, abrir as portas àqueles que são aparentemente semelhantes aos portugueses e fechar as portas aos outros", acrescentou.

"Isto está de acordo com a política defendida pelo "Chega!". E para mim isto é muito preocupante, porque aumenta a polarização e aproxima os partidos de direita moderados das políticas de direita populista radical e as fronteiras entre eles podem tornar-se cada vez mais difíceis de traçar."

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