O Chega foi o terceiro partido mais votado nas eleições legislativas em Portugal no ano passado. Tem um discurso racista e anti-migração, mas nega veementemente ser de extrema-direita, preferindo ser considerado um partido populista.
Em 2019, o na altura recém-formado partido político de direita "Chega!" conquistou um lugar no Parlamento português. Cerca de três anos mais tarde, nas Legislativas de 2022, multiplicou esse resultado, conquistando 12 lugares e 7,2% dos votos.
Foi uma ascensão vertiginosa para um partido tão jovem e controverso, que rapidamente se inseriu no vasto panorama dos partidos populistas e de direita europeus, cortejando a extrema-direita com as suas narrativas contra os migrantes, a comunidade LGBTQ+ e os muçulmanos, mas rejeitando sempre ser descrito como tal.
"Foi realmente um choque enorme", disse a ativista Catarina Viegas à Euronews. "As pessoas não estavam satisfeitas com a situação económica do país, depois houve a COVID... O "Chega!" preencheu a lacuna entre as promessas do governo e o que não conseguiu cumprir, e os meios de comunicação social normalizaram a narrativa de extrema-direita", acrescentou.
Para muitos observadores fora de Portugal, o crescimento do partido também foi uma surpresa. "Houve muitas pessoas que não se aperceberam que a extrema-direita tinha um apoio tão grande em Portugal, porque historicamente, desde o fim da ditadura em 1974, não tem sido esse o caso", disse Heidi Beirich, cofundadora do Global Project Against Hate and Extremism (GPAHE), à Euronews. "Portugal parecia estar a contrariar a tendência que se verifica em países como Itália, Suécia, França, etc.", acrescentou.
Mas depois surgiu o "Chega!", atualmente a terceira formação com maior representação na Assembleia da República, que pode ser chave para um eventual futuro governo de direita.
"O "Chega!" é um partido profundamente anti-imigração, anti-ciganos e anti-LGBTQ", diz Beirich. "Demonizam os imigrantes. Os seus dirigentes, incluindo o seu líder carismático, André Ventura, têm dito coisas horríveis sobre os ciganos, chamando-lhes um problema de segurança - entre outras coisas", acrescentou. "Ventura também falou de coisas como a teoria da conspiração da grande substituição, que é uma ideia supremacista branca de que os imigrantes vão substituir os portugueses, em Portugal".
Por estas e outras razões, o GPAHE acrescentou recentemente o "Chega!" à sua lista de grupos de ódio e extremistas, em Portugal. Há 12 outros grupos na lista, incluindo outros partidos mais antigos que são anteriores ao "Chega!", disse Beirich, mas que nunca alcançaram o sucesso eleitoral do "Chega!", como a Alternativa Democrática Nacional e o Ergue-Te, anteriormente conhecido como Partido Nacional Renovador (PND).
Mas a decisão de classificar o "Chega!" como um partido extremista foi controversa em Portugal, onde o partido insiste em considerar-se populista e não de extrema-direita. A Euronews contactou o "Chega!" para comentar o assunto, mas não obteve resposta.
"Um partido populista de direita radical"
"Tem havido algum desacordo entre os académicos sobre a forma de caracterizar o "Chega!". De momento, a minha opinião é que o "Chega!" é um partido populista de direita radical, e não um partido de extrema-direita", disse à Euronews Cátia Moreira de Carvalho, investigadora na área do extremismo, terrorismo, psicologia e política na Universidade do Porto.
"Isto porque o "Chega!" tem claramente uma agenda populista, uma vez que vê o 'povo puro' em oposição às 'elites corruptas'", acrescentou. "Além disso, (...) defende opiniões iliberais e o seu objetivo é estabelecer este tipo de democracia iliberal em Portugal."
A extrema-direita quer abolir toda e qualquer forma de democracia e recorre à violência para atingir os seus objetivos. "Para já, não é isso que "Chega!" tem feito, nem me parece que venha a acontecer num futuro próximo."
Para alguns, a diferença está apenas nas aparências.
"Eles são definitivamente de extrema-direita, a sua narrativa é de extrema-direita, mas apresentam-se como um partido populista", disse Viegas. "Dizem que não são racistas, que Portugal não é racista, fazem-se de defensores daqueles que se sentem insatisfeitos com a situação atual do país, apresentam-nos como vítimas do sistema. E isso ressoa em pessoas que não se consideram extremistas".
Cátia Moreira de Carvalho disse que desde que o "Chega!" conseguiu o seu primeiro assento no Parlamento, "os crimes de ódio e o discurso de ódio têm vindo a aumentar em Portugal".
"Antes disso, em 2018, um inquérito conduzido pelo Eurobarómetro demonstrou que Portugal era o segundo país da Europa que tinha a visão mais positiva sobre a integração dos imigrantes, com cerca de 80% das pessoas a considerá-la positiva", acrescentou.
Um partido bem relacionado
Apesar de rejeitar publicamente a identidade de partido de extrema-direita, o carismático líder do "Chega!", André Ventura, tem vindo a alinhar-se com os líderes de partidos igualmente populistas e de extrema-direita na Europa, como o italiano Matteo Salvini, líder do partido Liga, a francesa Marine Le Pen e o espanhol Santiago Abascal, líder do Vox.
A extrema-direita "não estava presente na política dominante em Portugal antes do "Chega!"", confirma a investigadora da Universidade do Porto.
"Portugal era até considerado um caso de sucesso neste domínio, de certa forma imune à extrema-direita. Mas hoje em dia, para além do apoio crescente ao "Chega!", estamos a assistir a uma normalização das opiniões do "Chega!" nos partidos de direita", continua.
"Por exemplo, o líder do maior partido da oposição disse recentemente que Portugal devia procurar imigrantes que pudessem interagir melhor com o povo português. Por outras palavras, ele quer dizer que se devem adotar medidas de exclusão para acolher os imigrantes, abrir as portas àqueles que são aparentemente semelhantes aos portugueses e fechar as portas aos outros", acrescentou.
"Isto está de acordo com a política defendida pelo "Chega!". E para mim isto é muito preocupante, porque aumenta a polarização e aproxima os partidos de direita moderados das políticas de direita populista radical e as fronteiras entre eles podem tornar-se cada vez mais difíceis de traçar."