EventsEventosPodcasts
Loader
Encontra-nos
PUBLICIDADE

Walter Baier: "Partidos estabelecidos integram discurso da extrema-direita na sua própria narrativa"

Walter Baier: "Partidos estabelecidos integram discurso da extrema-direita na sua própria narrativa"
Direitos de autor euronews
Direitos de autor euronews
De  Aida Sanchez Alonso
Publicado a
Partilhe esta notíciaComentários
Partilhe esta notíciaClose Button
Copiar/colar o link embed do vídeo:Copy to clipboardCopied

A Euronews entrevistou Walter Baier, principal candidato do grupo da Esquerda Europeia às eleições para o Parlamento Europeu.

Euronews: "Durante dez anos foi presidente do Partido Comunista Austríaco. O que o levou a candidatar-se à presidência da Comissão Europeia?"

Walter Baier: “Há um ano e meio, perguntaram-me se estaria disponível para me apresentar à presidência do partido da Esquerda Europeia, o que aceitei, com todo o gosto, uma vez que estive entre os fundadores do partido. E em Ljubljana, onde ambos nos encontrámos, fui eleito candidato principal, ou seja, candidato a Presidente da Comissão Europeia. E estava disponível para o fazer porque quero mudar a Europa. Sinto-me empenhado numa Europa social e pacífica. E se nos sentimos empenhados, então temos de aceitar a responsabilidade”.

Euronews: “Comecemos por algumas questões sobre a guerra. A esquerda apela a uma menor militarização na Europa, contrariamente às tendências atuais dos Estados-Membros. É uma posição realista, tendo em conta que a guerra está à porta da Europa?”

Walter Baier: “Temos enormes armamentos na Europa. Os Estados-Membros da União Europeia gastaram 270 mil milhões de euros em armamento. Compare-se com as despesas de armamento da Rússia, por exemplo, que são cerca de 100 mil milhões de euros e eles estão em guerra. Por isso, ninguém pode dizer que não estamos suficientemente equipados. E nós perguntamos: é suficiente ou não? Temos 15 mil ogivas nucleares no mundo, o que permitiria destruir o mundo 150 vezes. É suficiente ou não é suficiente?”

Euronews: “Uma das razões pelas quais estão a investir mais na militarização é porque a UE está a apoiar a Ucrânia. Acha que a União Europeia cometeu um erro ao apoiar a Ucrânia na luta contra a Rússia?

Walter Baier: “Não. Não acho que devêssemos ter deixado os ucranianos sozinhos. A agressão da Rússia é injusta. É ilegal. É uma violação do direito internacional. Causou um enorme sofrimento humano. Depois de 500 mil mortos, centenas de aldeias destruídas e um milhão de pessoas em fuga, pensamos que é altura de criar as condições para a paz, iniciar negociações, cessar-fogo e chegar a uma Ucrânia soberana e segura através de meios políticos. Porque é óbvio que no campo de batalha a solução já não pode ser encontrada”.

Sinto-me empenhado numa Europa social e pacífica. E se nos sentimos empenhados, então temos de aceitar a responsabilidade.
Walter Baier, principal candidato da esquerda europeia às eleições para o Parlamento Europeu

Euronews: “Como seriam essas negociações de paz? Esse cessar-fogo?”

Walter Baier: “Penso que, em primeiro lugar, deve haver uma garantia internacional para a integridade territorial e a soberania da Ucrânia. É isso que o país e o povo merecem. Em segundo lugar, penso que deveria haver negociações entre a Ucrânia e a Rússia. A União Europeia deve ser envolvida. É óbvio que os EUA têm de estar envolvidos. Deve ser alcançado um acordo multilateral”.

Euronews: “O que vai acontecer com as partes ocupadas da Ucrânia? Como é que essa questão deve ser tratada nos futuros acordos de paz?”

Walter Baier : “Penso que temos de respeitar a integridade territorial da Ucrânia. Há muitas questões envolvidas, mas um dos princípios é que a Ucrânia é membro da OSCE. É um Estado soberano. Tem o direito de ter fronteiras seguras. Este é um dos pontos de partida de qualquer negociação”.

Euronews: Esse acordo significaria que a Ucrânia deixaria algum território para a Rússia ou não?

Walter Baier: “Diria que não me cabe a mim dar conselhos bem cabe à esquerda conceber o acordo de paz. Devemos respeitar as decisões do povo ucraniano e do governo ucraniano”.

"Seria relevante suspender o acordo de associação entre a União Europeia e Israel"

Euronews: “Passemos agora a outras questões que preocupam os europeus e a União Europeia, a guerra em Gaza. A esquerda pediu sanções contra Israel. Como é que imagina essas sanções?”

Walter Baier: “Antes de mais, é a duplicidade de critérios. Demorou menos de uma semana a impor sanções à Rússia. E isto é correto. E agora temos mais de meio ano de guerra em Gaza, com 35 mil mortos. A destruição total do país. Não aconteceu nada. Não aconteceu nada. Exceto palavras. E quando se trata do carácter dessas sanções, eu diria, por exemplo, que seria relevante suspender o acordo de associação entre a União Europeia e Israel. Não para sempre, mas enquanto o governo israelita não aceitar o direito dos palestinianos em Gaza à segurança e à proteção. Enquanto continuar esta terrível guerra contra civis, não podemos comportar-nos como se nada tivesse acontecido”.

Walter Baier: A UE perde credibilidade por ter "dois pesos e duas medidas"

Euronews: “Porque é que acha que a União Europeia tem dois pesos e duas medidas?”

Walter Baier: “São interesses, interesses geopolíticos. Mas eu diria que o outro lado da moeda é que a União Europeia perde credibilidade. O facto de ter dois pesos e duas medidas desacredita a União Europeia no Sul global”.

Euronews: “Gostaria de saber o que pensa da forma como a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, lidou com a guerra em Gaza”.

Walter Baier : “Estou a procurar as palavras certas. Porque, na verdade, o comportamento dela é típico da duplicidade de critérios. É inadequado. Não tem responsabilidade pelo que está a acontecer. E também não é honesto. Acusar todos os que criticam o atual governo israelita de serem antissemitas é errado, é injusto. É contra a história. É contra a razão. Por isso, de um modo geral, ela lidou muito mal com situação. Vejo que agora estão a falar sobre Rafah. Mas foi há pouco tempo. E não estão decididos a tomar medidas. Por isso, não são credíveis.

Euronews: “Jean-Luc Mélenchon, líder da France Insoumise, um dos partidos observadores da esquerda europeia, considera a situação em Gaza um genocídio. Concorda com essa opinião?”

Walter Baier: “Não gosto de palavras grandes. 35 mil pessoas mortas. Dois terços das quais civis. Uma grande parte está a ser morta. Cidades destruídas. Hospitais destruídos. Destruição total das infra-estruturas. O que é que gostaria de chamar a isto? Nas minhas palavras, é um crime de guerra. É um crime tremendo contra a humanidade e temos de o impedir. Não devemos falar de palavras e discutir sobre palavras. Devemos concentrar-nos em acabar com o massacre destes homens e mulheres em Gaza”.

Euronews: “Passemos agora a questões mais políticas ou sociais. De acordo com uma sondagem da Ipsos para a Euronews, os cidadãos europeus estão sobretudo preocupados com o aumento dos preços ou com as desigualdades sociais, que têm sido exigências tradicionais da esquerda. Porque é que a esquerda não tem sido capaz de cativar estes eleitores?”

Walter Baier: “Em primeiro lugar, as eleições ainda não terminaram. E veremos o resultado. Penso que a combinação da questão social e ecológica está no topo da agenda. E vale a pena mencionar que nesta sondagem, que citou, a migração aparece em sétimo lugar. E há, por assim dizer, uma enorme mistificação. Os verdadeiros problemas dos europeus são a habitação a preços acessíveis, empregos seguros, igualdade social na implementação do Pacto Ecológico. E é nisto que nos vamos concentrar durante a campanha eleitoral. E tenho a certeza de que, em vários países, vamos ver resultados muito bons”.

Euronews: “Mencionou a migração e, no seu manifesto, pede a dissolução da Frontex. Porquê? E como pensa que as fronteiras externas devem ser controladas?”

Walter Baier: “Na minha opinião, em primeiro lugar, trata-se de seres humanos. Trata-se das pessoas, das pessoas que fogem da perseguição, da violência, da violência sexual, do desastre ecológico. E a União Europeia tem, em primeiro lugar, de proteger essas pessoas para que tenham vias seguras. Tem de garantir que os procedimentos de asilo sejam efetuados com dignidade, com respeito por estas pessoas, de modo a que o direito individual de asilo seja garantido. Tem de garantir o respeito da Convenção das Nações Unidas sobre os Refugiados. Estes são os verdadeiros problemas. E reenquadrar esta questão humana numa questão de segurança e de proteção das fronteiras é fundamentalmente errado. Precisamos de vias seguras e precisamos de direitos humanos, de um tratamento adequado das pessoas que vêm para a Europa”.

Euronews: “A extrema-direita tem sido capaz de capitalizar o descontentamento dos cidadãos. Porque é que acha que isso aconteceu? O que é que levou a extrema-direita a conseguir capitalizar esse descontentamento?

Walter Baier: “Em grande medida, isso deve-se à legitimação da agenda da extrema-direita pelos partidos estabelecidos. Veja-se o discurso sobre a migração. É apresentado como uma questão de segurança. Essa é a agenda da extrema-direita. Em vez de se oporem à narrativa da extrema-direita e de dizerem "não, trata-se de seres humanos, de solidariedade e de justiça", os partidos estabelecidos integram o discurso da extrema-direita na sua própria narrativa. E a prova mais recente disso é o pacto de migração agora decidido no Parlamento Europeu e no Conselho Europeu, que, na verdade, é a negação do direito individual de asilo. E não é mais do que legitimar o que a extrema-direita está a dizer. E isso é errado. É estrategicamente errado. É moralmente errado. Estrategicamente é errado porque significa abraçar o discurso da extrema-direita. E no que respeita ao aspeto humanista, é, simplesmente, uma pena.

Euronews: “Mas porque é que a esquerda perdeu esta narrativa? Algumas pessoas estão a ficar mais cativadas pela narrativa da extrema-direita e não pela narrativa da esquerda”.

Walter Baier: “Sim, de facto, tem a ver com o comportamento dos partidos estabelecidos. Com o seu medo de os confrontar verdadeiramente. No mês passado, fiquei surpreendido ao ouvir com Ursula von der Leyen dizer: "a nossa atitude em relação aos partidos de extrema-direita, em relação os reformistas e conservadores, vai depender do resultado das eleições". Ora, isso é uma questão de princípio. Ter renunciado a essa ideia de cordão sanitário...é uma responsabilidade enorme. E sim, também tem a ver com os meios de comunicação social. No meu país, a Áustria, onde o FPÖ está agora em primeiro lugar nas sondagens, quantas vezes estes tipos, como Jörg Haider e Heinz-Christian Strache e agora Herbert Kickl, estiveram na primeira página dos meios de comunicação social. Porquê? O que é que eles estão a dizer? Trata-se de um partido corrupto. Um partido neo-fascista. Mas é tratado como se fosse um partido normal e isso é fundamentalmente errado. Não são partidos normais”.

Euronews: “Há cinco anos, a esquerda não votou em Ursula von der Leyen para presidente da Comissão Europeia. A esquerda está agora disposta a votar nela ou em qualquer candidato do PPE, se isso a impedir de depender dos votos da extrema-direita?

Walter Baier : “Não vai depender dos nossos votos. E há muitas razões para não votar na senhora von der Leyen. E a razão mais recente para não votar nela é o facto de a Comissão estar preparada para reintroduzir a política de austeridade. O quadro de governação financeira resume-se, na verdade, à reativação do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Apenas quatro países poderão, nestas condições, fazer os investimentos necessários para cumprir os objetivos climáticos. Não poderão gastar os 200 mil milhões de euros necessários para reconstruir os serviços públicos e isso é a herança da Comissão de Ursula von der Leyen. Por isso, não vamos votar nela”.

Euronews: “Porque é que acha que essas novas regras orçamentais vão dar início a uma nova era de austeridade?”

Walter Baier: “Porque está escrito na lei. Significa que os países que têm défices públicos excessivos e que têm uma dívida acumulada excessiva serão obrigados, no prazo de 4 ou 7 anos, a cortar nas despesas, a reduzir as despesas públicas para atingir o quê? Eu sou economista. Em todos os meus estudos não encontrei um único livro científico a dizer que a dívida pública tem de ser de 3% ou que a dívida pública não pode ultrapassar os 60%. É deliberado. É a política neoliberal, é o credo neoliberal de que a primeira preocupação das políticas económicas tem de ser o equilíbrio dos orçamentos públicos. A nossa primeira preocupação é que as pessoas têm de ter habitação a preços acessíveis. Precisamos de investimento na transição ecológica, precisamos de empregos seguros. Para isso é preciso dinheiro. Esse dinheiro pode ser obtido, pode ser emprestado. Pode ser obtido através de impostos, de um sistema fiscal justo. Mas estas são as verdadeiras preocupações e os 3% e 60% não são nada. Isso não é científico”.

Walter Baier propõe fundo europeu para a habitação

Euronews: “Uma das coisas em que o manifesto da Esquerda se centra é na acessibilidade aos espaços habitacionais. Porque é que isso é necessário a nível europeu e como pode ser feito? Quais são as vossas propostas?”

Walter Baier: “No que diz respeito ao limite de renda, a União Europeia pode adotar a diretiva que obriga os Estados-Membros a introduzir limites de renda e a proibir os despejos de residências primárias. Fizeram-no corretamente com a diretiva relativa às plataformas, obrigando os Estados-Membros a agir. Fizeram-no com a Diretiva relativa à igualdade de remuneração, com a Diretiva relativa ao salário mínimo, sobretudo através da criação de um quadro jurídico para a ação dos Estados-Membros. Em segundo lugar, gostaríamos de ver o direito à habitação a preços acessíveis incluído no direito primário da União Europeia. Tornando-o um direito dos cidadãos que tem de ser promulgado e que estes podem exigir em tribunal para que o Estado-Membro assegure esse direito. E, em terceiro lugar, a União Europeia teria a possibilidade de criar um fundo europeu para a habitação que concedesse crédito a juro zero aos municípios e às cooperativas. Portanto, há muitas coisas a fazer a nível europeu e gostaríamos de aproveitar as eleições europeias para colocar esta questão no centro do debate político”.

Crise da habitação : "É apenas uma questão de boa vontade e de determinação política”

Euronews: “Uma das vossas propostas relativas à habitação é a de um quadro regulamentar para empresas como a Airbnb. Como é que espera que isso funcione?”

Walter Baier: Veja o caso de cidades como Barcelona, Marselha, Atenas, Ljubljana, até mesmo a minha cidade natal, Viena, onde há investidores que compram casas, que compram espaços e os utilizam para especular, com o turismo e, sobretudo com os jovens, que têm de gastar mais de 50% do seu rendimento mensal para pagar a renda. Se conseguirem ter casa, porque há sítios onde os jovens nem sequer conseguem casas. A União Europeia poderia criar legislação que permitisse ou obrigasse os municípios a limitar a especulação com o aluguer de curta duração. Isso ajudaria muito. E, já agora, nem sequer custaria dinheiro à União Europeia. É apenas uma questão de boa vontade e de determinação política”.

Euronews: “E porque é que acha que a Comissão não propôs uma legislação desse tipo nos últimos anos?”

Walter Baier : “Porque eles cuidam das pessoas ricas. A ideologia e a principal preocupação da Comissão são os investidores. Trata-se de uma Comissão liderada por um partido cuja principal clientela são as pessoas ricas, as pessoas abastadas. E é por isso que não se preocupam com os cidadãos comuns. É tão simples quanto isso”.

Euronews: “Sim, mas o PPE também é apoiado por cidadãos comuns. Por isso, penso que os cidadãos comuns concordam com essas políticas.

Walter Baier “Sim. Até os cidadãos comuns podem cometer erros e votar contra os seus interesses. E, na verdade, estou a apresentar-me como presidente da Comissão Europeia para mostrar às pessoas que existe a possibilidade de haver uma alternativa. Devem votar no seu próprio interesse. Devem votar em empregos seguros e não precários. Devem votar a favor da habitação a preços acessíveis”.

Partilhe esta notíciaComentários

Notícias relacionadas

Robert Habeck, vice-chanceler da Alemanha: A Europa deve afirmar-se e ser capaz de defender-se

Charles Michel: "é um erro tentar opor o nível nacional ao nível europeu"

FMI diz que igualdade entre mulheres e homens é um meio poderoso para favorecer crescimento