A União Europeia (UE) poderá estar a violar as regras internacionais ao utilizar a ajuda destinada a promover o desenvolvimento em África para travar a migração para a Europa, de acordo com um novo relatório da Oxfam.
O relatório publicado na quinta-feira revela que seis das 16 acções de migração financiadas pela UE no Níger, na Líbia e na Tunísia, no valor total de 667 milhões de euros, violam potencialmente as regras de ajuda estabelecidas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).
As conclusões da Oxfam sugerem que a UE está a desviar cada vez mais a sua ajuda ao desenvolvimento para prosseguir uma estratégia interna de dissuasão da migração, pondo em causa os direitos humanos e o bem-estar.
A UE atribui 10% do seu pacote de ajuda internacional de 79,5 mil milhões de euros a actividades relacionadas com a migração. Pelo menos 93% dos fundos devem promover o desenvolvimento e o bem-estar nos países em desenvolvimento, em conformidade com os critérios de ajuda da OCDE.
Mas o relatório da Oxfam sugere que um terço das acções de migração financiadas pela UE em três países africanos violam estas regras.
"A ajuda da UE está a ser canalizada para apoiar a guarda costeira, apesar do seu historial extremamente fraco em matéria de direitos humanos", disse Stephanie Pope, especialista em migração da Oxfam na UE, à Euronews.
"Na Líbia, a guarda costeira disparou , há poucos meses, contra navios de salvamento que tentavam ajudar pessoas em perigo no mar. A guarda costeira tunisina tem sido acusada de roubar motores de embarcações de migrantes e de se recusar a ajudar pessoas em perigo no mar, contrariamente às suas obrigações internacionais", acrescentou.
A OCDE afirma que quaisquer acções que "negligenciem os direitos das pessoas deslocadas à força e dos migrantes" não podem ser consideradas ajuda.
Em resposta ao relatório, um porta-voz da Comissão Europeia refutou a afirmação de que o dinheiro destinado a combater a pobreza está a ser desviado para combater a migração.
"A maior parte das nossas acções estão a ajudar a resolver as causas profundas da migração", afirmou o porta-voz.
Das oito actividades de migração analisadas pela Oxfam no Níger, um país frequentemente utilizado como corredor para os traficantes de migrantes entre a África Subsariana e o Magrebe, apenas uma apoiava a migração segura e legal.
Na Líbia, nenhum dos projectos de migração analisados promove percursos seguros e regulares, afirma a Oxfam.
Financiamento "complexo" de rastrear
A ONG afirma ainda que é cada vez mais complexo acompanhar os múltiplos mecanismos financeiros da UE para conter os fluxos migratórios de África para a Europa, incluindo no âmbito do controverso acordo de migração celebrado recentemente com a Tunísia.
O acordo, assinado entre a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o presidente da Tunísia, Kais Saied, em julho, tem sido criticado pela sua base jurídica questionável e pela falta de controlo democrático.
O Parlamento Europeu criticou o acordo por não reconhecer as provas crescentes do tratamento abusivo dado pelas autoridades tunisinas aos migrantes subsarianos, incluindo expulsões ilegais, ódio racial e violações dos direitos humanos.
O relatório apela ao Parlamento para que responsabilize o executivo do bloco pelas suas ações em matéria de migração, alertando para o facto de a crescente preocupação da UE com os fluxos migratórios estar a eclipsar uma ajuda crucial ao desenvolvimento em África.
A Oxfam afirma ainda que a UE está a perder oportunidades de abrir rotas migratórias seguras e de aproveitar as vantagens da migração para o desenvolvimento.
"Se a UE redirecionar cada vez mais estes fundos de desenvolvimento, já de si muito escassos, para os seus próprios interesses migratórios mal orientados, corre-se o risco de haver ainda menos dinheiro disponível para dar a estes países o apoio de que necessitam urgentemente neste momento", afirmou Pope.