As ambições da Ucrânia de aderir à União Europeia (UE) poderão ficar paralisadas no segundo semestre do ano, período em que a Hungria assume a presidência rotativa do Conselho da UE.
A primeira ronda de conversações entre a UE e a Ucrânia terá lugar a 25 de junho, depois de os Estados-membros terem aprovado o quadro geral de negociações, mas as ambições da Ucrânia não são uma priodade para o governo de Viktor Orbán, que definirá a agenda semanal e presidirá às reuniões ministeriais, em Bruxelas, a partir de 1 de julho.
O governo húngaro terá, assim, um papel central na decisão sobre os temas que serão colocados no topo da lista.
O slogan oficial da presidência rotativa húngara será "Make Europe Great Again" (Tornar a Europa Grande Novamente), no que parece ser uma clara homenagem ao ex-presidente republicano dos EUA, Donald Trump, que está em campanha com esta frase para as eleições de novembro.
Esta atitude causou algum mal-estar entre os diplomatas da UE, que temem que o primeiro-ministro húngaro explore a posição de presidente do Conselho da UE (que organiza reuniões com os ministros dos 27 países, por pasta temática) para promover as suas opiniões nacionalistas e de extrema-direita.
A política do bloco em relação à Ucrânia - que Orbán tem contestado e, por vezes, bloqueado com o seu veto no Conselho Europeu (que reúne chefes de Estado e de governo dos 27 países) - é uma das que corre maior risco de descarrilar.
O governo de Budapeste revelou o programa oficial da presidência, hoje, em Bruxelas, o que confirmou alguns dos receios. János Bóka, o ministro dos Assuntos Europeus, deixou claro que o seu país não ajudará o governo de Kiev a abrir nenhum dos 35 capítulos que constituem os seis grupos temáticos das negociações de adesão.
"De acordo com as minhas expetativas, durante a presidência húngara, a questão da abertura dos capítulos não será levantada de todo", afirmou Bóka.
O programa de 21 páginas faz várias alusões à Ucrânia no que se refere à economia, integridade territorial, reconstrução, implicações de segurança, refugiados, crimes de guerra e liberdade de circulação, mas não no contexto do alargamento.
"O processo de alargamento deve contribuir substancialmente para a melhoria da situação das minorias nacionais", lê-se. Orbán tem-se queixado da falta de proteção da minoria húngara que vive na Ucrânia, apesar do governo ucraniano ter alterando a legislação sobre educação e línguas minoritárias.
O tom contrasta com o da Bélgica, atual detentora da presidência rotativa, que se esforçou por fazer avançar o mais possível a candidatura de adesão da Ucrânia.
Na semana passada, a Bélgica conseguiu obter a unanimidade necessária para aprovar o quadro de negociações para a Ucrânia e a Moldova, que a Hungria tinha bloqueado.
Este avanço permitirá à Bélgica realizar a primeira conferência intergovernamental com a Ucrânia, a 25 de junho. Por outras palavras, a primeira ronda de negociações.
"Excelentes notícias de Bruxelas", disse na altura Olga Stefanishyna, vice-primeira-ministra da Ucrânia. "Estamos a passar à fase seguinte da nossa adesão."
No entanto, é provável que o ímpeto seja interrompido.
Entusiasmo limitado
Bóka disse à imprensa acreditada em Bruxelas que a Hungria pretende tornar o processo de alargamento "baseado no mérito, objetivo e credível" e desviar a atenção política, que se tem centrado na Ucrânia, para os Balcãs Ocidentais.
"O que temos visto é que, em certos Estados-membros e instituições, existe um certo entusiasmo pelo alargamento do trio no leste", disse Bóka, referindo-se à Ucrânia, Moldova e Geórgia.
"A presidência estabeleceu o objetivo de fazer com que algum desse entusiasmo se estenda aos Balcãs Ocidentais, para que todos eles possam estar mais perto da adesão".
Para Bóka, seria "realista" que a Sérvia, um candidato que se tem vindo a afastar progressivamente das normas da UE, abrisse um novo conjunto de capítulos durante a presidência húngara, enquanto o Montenegro deveria desbloquear "o maior número possível de capítulos".
A Macedónia do Norte e a Albânia, cujas candidaturas avançam em paralelo, deverão ser objeto de uma nova conferência intergovernamental.
No que se refere à Ucrânia, Bóka referiu que o processo poderia "continuar" após a reunião de 25 de junho, mas que tal deveria ser feito "da forma prevista" e apenas depois de a Comissão Europeia efetuar a análise detalhada sobre a capacidade da Ucrânia de aderir ao bloco. O ministro esclareceu que a abertura de novos capítulos para Kiev não será "de todo" levantada nos próximos seis meses.
A política de alargamento, tal como os assuntos externos, a fiscalidade e o orçamento comum, está sujeita ao princípio da unanimidade, o que significa que um único país pode impedir uma decisão acordada pelos outros 26 Estados-membros.
Orbán tem utilizado este princípio para obter concessões e bloquear acordos, nomeadamente no que respeita à Ucrânia e à Rússia. A Hungria está, atualmente, a impedir o desbloqueamento de 6,6 mil milhões de euros de assistência militar da UE à Ucrânia, um impasse que começou em maio do ano passado e que não mostra sinais de ser quebrado tão cedo.
Zoltán Kovács, porta-voz internacional do governo, disse que a Hungria não vai usar o poder de veto durante a sua presidência da UE, algo que, a acontecer, agravaria seriamente as tensões entre a Hungria e os seus pares.
Já o ministro dos Assuntos Europeus prometeu que o país atuaria como um "mediador honesto" e trabalharia "com lealdade". No entanto, acrescentou, a Hungria "representa uma alternativa europeia muito clara. E esta visão da Europa também vai estar representada no nosso trabalho".
Questionado sobre o debate em curso sobre os cargos de topo da UE, Bóka reafirmou a oposição da Hungria à reeleição de Ursula von der Leyen como presidente da Comissão Europeia, mas disse não haver objeções às candidaturas de António Costa (Conselho Europeu) e Kaja Kallas (Alto Representante para Política Externa e Segurança). Espera-se que os dirigentes celebrem o acordo em 27 de junho.