Estivemos com duas irmãs que vivem no subsolo há três meses. Especialistas dizem que as crianças levam as cicatrizes da guerra até à idade adulta
Alina e Christina são duas irmãs de Mykolaiv que passaram a maior parte dos últimos 3 meses num subsolo.
Alina conta o seu quotidiano: "Acordo e escovo os dentes. Depois tomo o pequeno-almoço. Depois, sento-me para as aulas. Depois das aulas tenho um pequeno descanso e depois almoço.
A seguir, brincamos na rua.
"Quando a sirene começa ou o bombardeamento começa, brincamos na cave.
No momento em que bombardeiam, a mãe desce. O pai fica lá em cima. Mas quando o bombardeamento é pesado o pai também desce.
Neste momento, só quero não ser bombardeada".
A invasão russa da Ucrânia teve um impacto devastador em todos os aspetos da vida aqui. E, como em todos os conflitos armados, as crianças foram atingidas de forma particularmente dura
Joe English, porta-voz da UNICEF afirma: "Não creio que haja uma única criança na Ucrânia que não tenha sido afetada por este conflito, de uma forma ou de outra. Nos casos mais graves, crianças que foram diretamente expostas à violência, a semanas de bombardeamentos, vivendo no subsolo em abrigos. Isto pode provocar distúrbios de stress pós-traumático".
A deslocação em massa deixou crianças expostas ao tráfico de seres humanos e à exploração sexual, enquanto o próprio conflito coloca milhões em risco de serem mutiladas ou pior.
Desde o início da guerra, mais de 200 crianças perderam a vida, na Ucrânia.
Jack Shonkoff, do Centro de Desenvolvimento da Criança, na Universidade de Harvard diz que "não é precisa a ciência para nos perguntarmos se as crianças serão prejudicadas por isto".
O especialista explica as consequências mentais e físicas: "O que se passa dentro do corpo quando o sistema de stress é ativado - os níveis de hormonas de stress aumentam na nossa corrente sanguínea, o nosso ritmo cardíaco sobe, a nossa pressão sanguínea sobe, o nosso sistema imunitário é ativado, de modo que a inflamação é elevada dentro do corpo. Os nossos níveis de açúcar no sangue sobem trazendo energia ao nosso cérebro para pensar mais claramente... e aos nossos músculos para lutar ou correr. E todos esses sistemas, se não voltarem aos níveis de base, começam a ter um efeito em partes do cérebro que podem afetar o seu comportamento o estado mental e a saúde mental, mas também podem afetar o sistema cardiovascular e o sistema imunitário e os sistemas metabólicos num efeito de desgaste.
Portanto, sim, os problemas de saúde mental são imensamente importantes, mas também o são os problemas de saúde física, mas estes aparecerão mais tarde".
Mais tarde, ou futuro... É algo que as pessoas aqui não conseguem imaginar, por agora.
O pai de Alina comenta: "Não sei. O que é que posso planear hoje? Eles podem bombardear-nos, não vale a pena tentar adivinhar (o futuro). Vem um míssil, e nós deixamos de existir. Não vejo sentido em falar sobre isso (o futuro). Vivemos o dia-a-dia".