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Dois anos após o ataque do Hamas, judeus e muçulmanos vivem realidades muito diferentes em Espanha

Uma mulher passa por um monumento aos judeus que se crê terem sido mortos durante um pogrom perpetrado pela população local em 1506, em Lisboa.
Uma mulher passa por um monumento aos judeus que se crê terem sido mortos durante um pogrom perpetrado pela população local em 1506, em Lisboa. Direitos de autor  Copyright 2015 AP. All rights reserved.
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De Rafael Salido
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Dois anos após o ataque do Hamas contra Israel, as comunidades judaica e muçulmana em Espanha enfrentam duas realidades radicalmente opostas. Apesar das diferenças, representantes de ambas concordam que a tolerância é a única saída para esta situação.

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Desde que o grupo terrorista Hamas executou o seu ataque surpresa contra Israel, há exatamente dois anos, matando mais de 1.000 pessoas e fazendo centenas de reféns, as realidades das comunidades judaica e muçulmana em Espanha são radicalmente opostas. Enquanto uns falam de "empatia", os outros lamentam um antissemitismo que "disparou".

"Estou comovido, porque reflete a consciência moral de um país que conhece o valor da coexistência", disse à Euronews o imã Adil Mohamed Hachmi, responsável pelas relações da Liga Mundial Muçulmana em Espanha. "Espanha, com a sua história de encontro entre culturas, sente a dor palestiniana não de um ponto de vista ideológico, mas de um ponto de vista empático."

Hachmi sublinha que, durante séculos, cristãos, judeus e muçulmanos coexistiram na Península Ibérica e defende que o que "acontece longe não deve quebrar a convivência" que foi "construída" aqui. "Essa é a nossa melhor resposta ao ódio", afirmou.

Espanha, com a sua história de encontro entre culturas, sente a dor palestiniana não por ideologia, mas por empatia.
Adil Mohamed Hachmi
Responsável de relações da Liga Mundial Muçulmana em Espanha

No entanto, este equilíbrio impossível ameaça ser perturbado nos dias que correm, numa altura em que uma grande parte da sociedade espanhola parece ter-se colocado claramente do lado de uma das duas partes que combatem atualmente na Faixa de Gaza: os palestinianos.

"Desde o dia 7 de outubro que estamos em estado de choque", lamenta María Royo, diretora de Comunicação da Federação das Comunidades Judaicas de Espanha (FCJE), em declarações à Euronews. "Durante todo este tempo, não parámos de receber insultos, ameaças, coação, cuspidelas... de tudo."

A causa palestiniana em Espanha

A situação desta comunidade parece particularmente complicada em Espanha, um país que, nos últimos meses, deixou clara a sua simpatia pela causa palestiniana, não só por parte do governo, que reconheceu o Estado palestiniano e defendeu a imposição de um embargo a Israel, mas também por grande parte da população.

Desde que o governo de Netanyahu intercetou a Flotilha Global Sumud, na semana passada, centenas de milhares de pessoas saíram às ruas por toda a Espanha para exigir a libertação dos seus ativistas e, sobretudo, para exigir o fim da ofensiva israelita em Gaza, que já custou a vida a cerca de 67.000 palestinianos.

Royo, que também é coordenadora do Observatório Antissemitismo em Madrid, lamenta que, independentemente das ações do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, "antes de Israel responder, já aqui existiam incidentes antissemitas". "Estes dispararam. Antes de 7 de outubro de 2023, registávamos dois ou três incidentes por mês, mas agora estamos a registar casos todos os dias."

Espanha não está sozinha nesta tendência. De acordo com dados da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (EUFRA), com base num inquérito a cerca de 8.000 judeus com mais de 16 anos em 13 Estados-membros, 96% dos judeus no continente sofrem racismo regularmente e os ataques antissemitas na Europa aumentaram 400%.

Uma coisa são as políticas de Israel, as decisões do governo de Israel, as ações do governo de Israel. E outra coisa são os judeus.
María Royo
Diretora de Comunicação da Federação das Comunidades Judaicas de Espanha (FCJE)

O principal rabino da Europa, Pinchas Goldschmidt, indicou à Euronews que "não passa um dia sem que ouçamos falar de ataques contra judeus e instituições judaicas" e lamentou que o antissemitismo se tenha tornado "extremamente perigoso" nos dois anos que se seguiram ao ataque liderado pelo Hamas contra Israel, que desencadeou a ofensiva em Gaza.

O caso mais recente foi o ataque a uma sinagoga em Manchester, na semana passada, que coincidiu com o feriado do Yom Kippur, no qual dois fiéis foram mortos antes de o agressor ser abatido pelas forças policiais.

"Qualquer pessoa religiosa que saia da sua capela ou do seu templo pode cumprimentar o vizinho à porta, pode trocar algumas palavras. Os judeus não podem", salienta a porta-voz da FCJE. Em Espanha, o aumento dos casos de antissemitismo foi de aproximadamente 300%, precisa Royo. "É possível viver assim?", pergunta, com tristeza.

O imã Hachmi, por seu lado, defende que "a verdadeira integração não consiste em sermos parecidos, mas em respeitarmo-nos uns aos outros". "Cada muçulmano que vive a sua fé com serenidade e respeito contribui para essa mudança", afirma.

O papel da Justiça

Por outro lado, Royo lamenta que o que falta à comunidade judaica, explica, é uma certa "sensibilidade" por parte das autoridades. Segundo diz, por vezes, quando a Justiça recebe denúncias de antissemitismo, estas são minimizadas por não se tratarem de atos violentos. "Mas não se trata de ser algo grande ou pequeno; trata-se de ser um crime ou de não ser um crime; trata-se de haver uma comunidade em Espanha que está no centro das atenções."

"O racismo não se combate apenas com leis, mas com o exemplo: mostrar que a fé muçulmana e a cidadania europeia caminham juntas, contribuindo com valores de paz, trabalho e solidariedade", refere Hachmi. "Defender a vida e os direitos dos palestinianos não é tomar partido numa guerra; é defender os princípios universais da justiça e da dignidade."

No entanto, a porta-voz da FCJE, María Royo, considera que Espanha, de certa forma, apesar de "não ser como a Palestina", tomou partido, em grande parte, porque culpa o povo judeu pelas ações de um governo específico, sem compreender que a sua comunidade, tal como o seu país, não é "monolítica". "Sim, Israel é o país judeu, o único país judeu do mundo, mas não é exclusivo, é inclusivo."

"Uma coisa são as políticas de Israel, as decisões do governo israelita, as ações do governo israelita. E outra coisa são os judeus, ingleses, franceses, espanhóis, argentinos", aponta.

Hachim concorda que cada comunidade tem as suas próprias nuances e sublinha que a fé que os muçulmanos professam em Espanha "é o Islão da misericórdia, da razão e da justiça". "Que o mundo ouça esta verdade simples: a fé autêntica não divide a humanidade, eleva-a", conclui.

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